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A Senhora Dança? A Mandy pelas danças da vida.

Um blog para todas as mulheres depois dos “entas” . Mulheres que, na plenitude das suas vidas, desejam celebrar a liberdade de assumirem a sua idade, as suas rugas, os seus cabelos brancos e que querem ser felizes

A Senhora Dança? A Mandy pelas danças da vida.

Pão-por-Deus Vs. Halloween

Quando o Halloween chegou aos EUA, já se pedia pão por Deus em Portugal

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Hoje, 31 de Outubro, comemora-se o que começou por ser uma tradição celta. As abóboras, as teias de aranha e os chapéus de bruxa tomam conta das montras. De norte a sul do país, fantasmas, bruxas, zombies e vampiros vão sair à rua. De uma tradição totalmente inexistente na sociedade portuguesa, o Halloween passou a ser um evento com alguma relevância, com os mais novos a irem de casa em casa a dizer "doce ou travessura". Pese embora ser uma data festejado por muitos - principalmente pelos mais pequenos com os seus disfarces e pedidos de doces -, poucos conhecem a história do Dia das Bruxas.

Antes do Halloween ser importado pelos portugueses, já existia, há vários séculos, o pedido de Pão-por-Deus, em Portugal. O pão-por-Deus era/é um peditório ritual feito por crianças, embora antigamente participassem também os pobres, associado às práticas relacionadas com as refeições cerimoniais do culto dos mortos. Nas zonas rurais, grupos de crianças saiam/saem à rua no dia 1 de Novembro, com o seu saco do Pão-por-Deus (fazer sacos do Pão por Deus é uma tradição associada à própria tradição, sendo normalmente estes sacos feitos de tecido, podendo as crianças decorá-los ao seu próprio gosto),  e vão de porta em porta pedir bolos, dinheiro, etc. De certa forma, só importámos a palavra Halloween, porque, como vimos, já existia um costume semelhante em Portugal e mesmo em Espanha (na Galiza, por exemplo, o peditório tem o nome de migalho), mas sem travessuras, uma vez que as crianças não ripostam se nada lhes for oferecido.

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Sou nascida e criada em Lisboa e, na zona onde cresci, nunca vi nem ouvi falar no “Pão Por Deus”. Nessa época só ouvi falar, nesta tradição, vagamente, porque a minha mãe era açoriana e lá era um hábito bem enraizado.

Do que a minha memória retém, do dia 1 de Novembro, dos meus tempos de “menina e moça”, é que, para além de ser feriado, logo não haver escola, era lembrado como o “dia de ir aos cemitérios”, porque o “Dia das Almas” era no dia a seguir, ou seja, no dia 2 de Novembro, e não sendo o dia 1 um feriado, os portugueses aproveitavam para, pelo menos nesse dia, irem ao cemitério pôr uma florinha (normalmente crisântemos) na campa daqueles entes queridos, que já estavam na “terra da verdade”.

Mas seria muito interessante começar pelo princípio do princípio.

O peditório do Pão-por-Deus, está associado ao antigo costume de se oferecer pão, bolos, vinho e outros alimentos aos defuntos. Era costume "durante o ano, nos domingos e dias festivos oferecerem-se, por devoção, pichéis, ou garrafas de vinho, e certos pães, que se punham em cima de uma toalha estendida sobre a sepultura do defunto, juntamente com uma vela acesa." Era costume pôr-se, também, pão, vinho e dinheiro no caixão do defunto para a viagem, tendo este hábito sido proibido no II Concilio de Braga do ano 572, no cânone LXIX, que se levassem ou deixassem alimentos à tumba. Os peditórios para as almas realizam-se ao longo do ano, em Janeiro pelos caretos, durante a quaresma cantava-se às almas santas e fazia-se um peditório (pedir as janeirinhas, pedir as maias, pedir os reizinhos) eram peditórios que, tal como os dos caretos, se inseriam no ciclo dos peditórios rituais que tinham lugar ao longo do ano) como o do "andador de almas", (homem que tinha por ofício andar pelas portas, a pedir esmola para sufragar as almas do purgatório). Nos Açores, acreditava-se que uma alma podia azedar o pão e, para que tal não acontecesse, o pão da primeira fornada, "o pão das almas", era colocado numa cadeira, na rua à porta de casa, coberto com um pano, para que a primeira pessoa que passasse o levasse para si ou desse a alguém necessitado. Registado, também, no século XV, como o dia em que também se pagava um determinado foro(*) :"Pagardes o dito foro em cada um ano em dia de pão por Deus".

Mais recentemente, esta tradição teve a sua origem em Lisboa, remonta ao dia 1 de Novembro de 1756 (1 ano depois do terramoto que destruiu Lisboa). Com o Terramoto de 1755, Lisboa ficou praticamente destruída e morreram milhares de pessoas. A população da cidade que era na sua maioria pobre, ainda mais pobre ficou.

Como a data do terramoto coincidiu com uma data com significado religioso, 1 de Novembro (data que honra todos os santos conhecidos e desconhecidos, mártires e cristãos heroicos celebrados ao longo do ano) de forma espontânea, no dia em que se cumpria o primeiro aniversário do terramoto, a população aproveitou a solenidade do dia para desencadear por toda a cidade um peditório para minorar a situação de pobreza em que tinham ficado.

Perante a situação de pobreza extrema, as pessoas percorriam a cidade, batiam às portas e pediam que lhes fosse dada qualquer esmola, mesmo que fosse pão: o "Pão-por-Deus". Esta tradição perpetuou-se no tempo, sendo sempre comemorada neste dia e tendo-se propagado gradualmente a todo o país. No dia 1 de Novembro, o Dia de Todos os Santos, as crianças saiam à rua com um saco de pano, na mão, a pedir de porta em porta o Pão-por-Deus.

Pão por Deus

Em troca recebiam aquilo que o dono da casa estivesse disposto a oferecer: pão, broas, bolos, romãs e frutos secos, nozes, tremoços amêndoas, ou castanhas que colocavam dentro dos seus sacos de pano, de retalhos ou de borlas. Este costume também estava relacionado com a tradição popular portuguesa de dar bolos secos a quem ajudava nas colheitas.

Mas voltando à minha falta de memória deste costume, em Lisboa, esta talvez advenha do facto de, nas décadas de 40 e 50 do séc. XX, por imposição do Estado Novo, se terem criado regras básicas, em Lisboa, que passaram a ser escrupulosamente cumpridas: Só podiam andar a pedir o "Pão por Deus", crianças até aos 10 anos de idade (com idades superiores as pessoas recusavam-se a dar). As crianças só podiam andar na rua a pedir o "Pão por Deus" até ao meio-dia (depois do meio-dia, se alguma criança batesse a uma porta, levava um "raspanete", do adulto que abrisse a porta). Provavelmente o hábito foi caindo no esquecimento e já não se praticava, na minha infância. Só mais tarde, quando fui viver para Cascais, tomei conhecimento com esta tradição, que se praticava ali.

Mas, afinal, quando é que os portugueses importaram o Dia das Bruxas?

O Halloween é um costume muito recente em Portugal. Não terá mais do que 20 e  poucos anos. Data dos anos 1990.

O meu primeiro contacto com o Halloween deu-se no liceu (no antigo 6ª ano, creio que hoje equivalente ao 10º ano), quando dei início aos meus estudos anglo-saxónicos, que me dariam acesso a minha entrada na faculdade. Popularizado nos Estados Unidos, este é, segundo os historiadores, um costume que teve origem numa tradição celta, o Samhain ("fim do verão"). A festa começava no dia 31 de Outubro e durava três dias. Nesse dia o povo acreditava que havia maior proximidade entre mortos e vivos. Os espíritos voltavam a casa para pedir comida, pelo que os familiares deixavam comida e bebida à porta de casa, faziam fogueiras,  e usavam máscaras na rua. No século VIII, a Igreja Católica instituiu o Dia de Todos os Santos a 1 de Novembro, o que acabou por misturar a tradição católica e a pagã. Já em 1845, a tradição viajou da Irlanda para a América do Norte, com as pessoas que foram forçadas a imigrar na sequência da Grande Fome. E foi aí que surgiu a tradição moderna de trick or treat? (doçura ou travessura, em português), que viria a ser exportada nos anos seguintes para vários países, entre os quais o nosso.

A noite das bruxas leva à rua centenas de crianças que pedem guloseimas. Só que ao contrário das doçuras ou travessuras, no Pão Por Deus, tradição católica, as crianças pedem e se por acaso nada lhes é oferecido não ripostam com qualquer travessura.

Em Portugal a comemoração do Halloween começou a  partir dos anos 90 e a tradição do Pão-Por-Deus foi gradualmente desaparecendo e, actualmente, raras são as pessoas que se lembram desta tradição.

Estas datas (caso do Dia das Bruxas, do Dia dos Namorados e afins), que não têm nada a ver com as tradições portuguesas, mas que são muito mais "atraentes" para o comércio, são adoptadas rapidamente. Até a comunicação social, contribui para o empobrecimento da memória colectiva. Neste dia todas as estações de televisão, rádio, jornais e revistas falam no Halloween, ignorando completamente o "Pão-por-Deus".

 

Mandy MartinsPereira escreve de acordo com a antiga ortigrafia

 Fonte: http://bdalentejo.net/BDAObra/obras/311/BlocosPDF/bloco19-179_188.pdf

Manuel de Paiva Boléo, Universidade de Coimbra. Instituto de Estudos Românicos. Revista portuguesa de filologia - Volume 12 - Página 745 - 1963