Um blog para todas as mulheres depois dos “entas” .
Mulheres que, na plenitude das suas vidas, desejam celebrar a liberdade de assumirem a sua idade, as suas rugas, os seus cabelos brancos e que querem ser felizes
Cora Coralina – ou Ana Lins dos Guimarães Peixoto, de seu nome de baptismo – já tinha 90 anos (nasceu a 20 de agosto de 1889) e passou grande parte de sua vida como doceira. Desde muito jovem, ela escrevia poesia, mas o seu primeiro livro, “Poemas dos becos de Goiás e estórias”, só foi publicado em 1965, nas vésperas de completar 75 anos. Esta mulher, que partiu para sua derradeira viagem em Abril de 1985, é uma inspiração em todos os sentidos.
Carlos Drummond de Andrade escreveu o seguinte, numa carta que lhe endereçou: “Minha querida amiga Cora Coralina: Seu Vintém de Cobre (título de um livro dela) é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais directas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida!
Dois poemas de Cora Coralina para saudar e dar mais luz a este dia:
Envelhecer não é bom. A gente não pode subir, não pode descer, não pode vestir, não pode comer, é tanta proibição, minha filha, mas fazer o quê?
No texto abaixo, intitulado originalmente “Pelo direito de exibir o corpo e a idade que se tem” -da autoria de Maria da Luz Miranda- a autora fala dessa mania de certas mulheres de esconderem a idade e de fazerem o impossível para se manterem jovens. Mesmo sendo a velhice inevitável, há um verdadeiro pavor do avanço do tempo. Isto porque ainda vivemos numa sociedade que preza a juventude mais do que tudo e rejeita com toda força o envelhecimento.
Mãe, quantos anos tem? 39. Mãe, quantos anos tem? 39. De novo? Maria Emília inventa histórias e luta e resiste em dizer à menina que já tem 40 anos há cinco. Mas a filha, esse espelho, está crescendo. E teima em perguntar: Mãe, não fica velha? Eu não vou ficar velha? A vovó não é velha?
A pequena Júlia, de cinco anos de idade, exige resposta. Da mãe, que vai ao ginásio todos os dias e compra montes de produtos que prometem eliminar quaisquer traços de envelhecimento, instantaneamente. Não é só vaidade, ela diz. É a cobrança que sente nos olhos dos outros.
Envelhecer não é bom. A gente não pode subir, não pode descer, não pode vestir, não pode comer, é tanta proibição, minha filha, mas, fazer o quê?, constata dona Laura, de 75 anos recém-completados. Ficar velho não tem de ser tão mau, completa ela . Afinal, o contrário disso a gente sabe qual é e esse final a gente quer mais é deixar para depois, diz ela, que é mãe da Maria Emília e avó da Júlia.
Envelhecer não é bom. Aos olhos da Maria Emília, que não dá atenção ao consolo da mãe e diz viver apavorada como tantas outras mulheres com os discursos que circulam por aí e só corroboram a estratégia das marcas que fazem questão de associar os seus nomes e produtos a juventude e beleza, que têm de andar juntas, como se nada tivessem de subjectividade.
Viver, nestas condições, é perder o direito a usufruir do tempo e dos efeitos dele como bem se escolher, queixa-se Maria Emília, que é advogada e parece não estar mesmo sozinha. Tanto que circula um abaixo-assinado que pede que marcas de beleza deixem de usar o termo ‘anti-idade’, nas suas campanhas e rótulos. É direccionado a duas marcas específicas e está disponível para quem quiser assinar e amplificar a petição.
Anti-idade é um termo vil pelo seu uso. A pequena Júlia merece resposta. E não temer a idade. Maria Emília, a mãe que resiste a declarar a idade, também carece de uma rotina menos aflita. Em tempos de discursos pró-sororidade (*) e menos opressão, vale bradar por respeito ao direito que temos a rugas e pouca elasticidade. Velhas seremos todas, na melhor das hipóteses. Sãs, de preferência.
(*) Sororidade - Pacto entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo.
Texto adaptado do original de Maria da Luz Miranda, publicado no seu blog, pelo jornal “O Globo”.
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a ortografia antiga.