Só há uma coisa que me irrita mais do que me perguntarem a idade: é ver octogenárias a saltar de paraquedas.
Cansei-me destes clichês da terceira idade: octogenárias a saltar de paraquedas
Só há uma coisa que me irrita mais do que perguntarem a minha idade: é ver octogenárias a saltar de paraquedas. Cansei-me desses clichês imagéticos da chamada terceira idade. O que pretendem com isso? Melhorar a auto-estima dos idosos? Sinalizar que a velhice não é o fim de linha? Que é tempo de ousar? Devo confessar que, para mim, essas tentativas são inócuas. Primeiro porque a minha auto-estima vai bem, obrigada, depois, porque não sou o tipo de pessoa alimentada por pretensões desportivas. Paraquedas? Nem aos 20 e nem agora, que já passei dos 50. Prefiro rever algum filme do Fellini.
Há outros clichês bonitinhos, mas também irritantes. Velhinhos e velhinhas “supercool”, com roupas originais, meio hippies serôdias (hipongas) ou de marcas de estilistas famosos (grife), sempre em poses modernas, chapéus e enfeites (badulaques) nas ruas de Nova York, que conseguem sempre muitos likes no Facebook. Gosto de ver, porque tenho um aguçado sentido estético, o belo e o subversivo sempre me atraíram, mas o peso dessas imagens como inspiração? Dois gramas.
E o que é que me me inspira? Conteúdos que me façam sonhar, que mostrem o lado bom das pessoas, que exibam um mundo mais humano, que ampliem os meus horizontes extra-sensoriais, que me actualizem com sugestões criativas para empregar o meu tempo livre. Fico empolgada ao saber que posso trabalhar num hotel flutuante no canal do Panamá, ajudar a traduzir para o português o site de idiomas de um australiano na Grécia ou cuidar dos jardins (e desfrutar dos arredores medievais) de uma propriedade no interior da França, onde trocamos trabalho por comida e hospedagem. Isso é economia colaborativa.
Quero conteúdos que me conectem com tecnologias incrivelmente rápidas para eu conseguir acompanhar, mas não me interessa saber se o Obama tem conta no Spotify. Os meus amigos e eu queremos entender, por exemplo, como se faz para produzir e editar um vídeo e depois coloca-lo no youTube.
Nós queremos é fazer parte desta revolução digital, queremos contar as nossas histórias, experimentar os nossos talentos noutras áreas, trocar ideias com pessoas de todas as idades, integrarmo-nos nos problemas sociais, ter lições de empreendedorismo; Queremos aprender a lidar com as novas formas de trabalho e de remuneração; saber como funciona esse tal "crowdsourcing"(1), que é fruto da criatividade colectiva.
Aliás, contem connosco para fermentar essa criatividade. Este grupo de cinquentões, sessentões tem muito conhecimento acumulado para compartilhar. Nós só estamos meio perdidos tentando encontrar as pontes e as portas que nos conduzam a essa rede colaborativa, onde os nossos talentos sejam valorizados. Precisamos de conteúdos que nos habilitem para essa caminhada, que nos transformem em nodos(2) dessa rede. Conteúdos que tragam ferramentas não só para a vida profissional, mas também para o autoconhecimento. Palestras, encontros, cursos que nos dêem suporte psicológico e espiritual.
E, naturalmente, que espiritual não está necessariamente relacionado com a religião. Tem a ver com força pessoal, equilíbrio psíquico, serenidade para aceitar a circularidade do tempo, coragem para construir um novo modelo mental.
A crise existencial que o processo de amadurecimento traz é inerente ao ser humano. Segundo Jung, é na meia idade que nos sentimos mais aptos a reorientar a nossa consciência espiritual e os nossos paradigmas. Quem não quer aumentar a sintonia com os mais caros valores universais? Quem não quer ser digno, ético, paciente, atento, solidário, amoroso, altruísta? Quem não quer ser autónomo para ampliar o seu universo de aspirações?
Quero evoluir espiritualmente, abrir mão de cobranças, de preconceitos, de lamentações, de traumas do passado. Quero consumir com consciência, abrir mão do supérfluo, inclusive nos relacionamentos. Quero ouvir com qualidade o meu interlocutor, desligar o botão do julgamento, ser tolerante com meus erros e mais generosa com as fraquezas alheias. Quero entender as similaridades entre a cabala e o xamanismo, entre meditação e “mindfulness”(3).
Quero cuidar e ser cuidada, quero olhar o meio ambiente com a sabedoria dos ciclos. Quero comprometer-me com projectos de transformação social, com pessoas empenhadas em tornar a nossa comunidade humana, mais…..humana. Tenham elas 16, 45 ou 80 anos. Quero, todavia, fazer isso activamente, de maneira comprometida, um dia após outro, focada no que é possível fazer agora.
Portanto, senhores anunciantes, acordem: estamos experimentando a revolução da longevidade. Esta nova geração de idosos tem muita vida pela frente e está a apostar numa longevidade sustentável. Está reinventando-se para tirar proveito dos próximos 20 anos. Já sabemos que caminhar faz bem, que fritos aumentam o colesterol, que há velhinhos surfistas. Invistam as vossas verbas em anúncios, programas, portais inteligentes, que nos tratem como pessoas ávidas por informação qualificada; despertas, curiosas, prontas a compartilhar tudo o que fizeram e viveram e aptas a desbravar esse mundo maravilhoso que se renova diariamente.
- “Crowdsourcing” (em português, colaboração colectiva). Processo de obtenção de serviços, ideias ou conteúdo mediante a solicitação de contribuições de um grande grupo de pessoas e, especialmente, de uma comunidade online, em vez de usar fornecedores tradicionais ou uma equipe de empregados. Trata-se de um recurso frequentemente utilizado para dividir trabalhos entediantes.
- Do latim nodus (“nó”), o termo nodo admite diversas acepções nas áreas da astronomia, da física, da informática e da medicina. No caso ora citado (informática) um nodo é um componente que faz parte de uma rede. Na Internet, cada servidor constitui um nodo. Os computadores que fazem parte de uma rede também são nodos.
- "Mindfulness" (em português Consciência Plena) é um estado mental de controlo sobre a capacidade de se concentrar nas experiências, actividades e sensações do presente.
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a antga ortografia.
Texto adaptado do original de Denise Ribeiro.
Denise Ribeiro é jornalista e mediadora de conflitos. Gosta de política e cinema, conversas entre amigos, de gente bem humorada e de comunicação não-violenta.