Um blog para todas as mulheres depois dos “entas” .
Mulheres que, na plenitude das suas vidas, desejam celebrar a liberdade de assumirem a sua idade, as suas rugas, os seus cabelos brancos e que querem ser felizes
Adoro salada de tomate polvilhado com orégãos, generosamente regado com azeite e algumas, poucas, pedrinhas de sal.
Vem a salada de tomate à conversa, melhor dito à escrita, por causa de um texto que li, do Ruben Alves, na revista Psique, que rezava assim:
“Gosto de tomate. Resolvi plantar uns tomateiros lá em Pocinhas do Rio Verde (MG). Amadureceu o primeiro tomate, todo vermelho, com excepção de um pontinho preto na casca. Nem liguei para o ponto preto. Colhi o tomate e preparei-me para comê-lo. Dei a primeira dentada e cuspi. O que havia dentro dele era um verme branco, grande, enrugado, gordo por haver comido toda a polpa do tomate.”
E foi, exactamente, esta imagem que me veio à memória, quando quis escrever sobre a inveja.
A inveja é considerada um pecado, porque a pessoa invejosa ignora as suas próprias bênçãos e prioriza o “status” das outras pessoas. Tem um desejo exagerado por posição, beleza, situação financeira, capacidade e tudo o que outras pessoas têm e conseguem. O invejoso ignora tudo o que é e possui, para cobiçar o que é dos outros.
A palavra inveja vem do latim “invidere” que, segundo o dicionário Webster, quer dizer “olhar pelo canto do olho”. O invejoso não olha de frente, porque quem olha de frente tem prazer no que vê. Quem olha de lado, tem inveja do que vê.
Fernando Pessoa dizia que: “a inveja dá movimento aos olhos”. Os olhos de inveja não olham só numa direcção.
A inveja é como um verme, que se aloja sub-repticiamente. Ninguém o vê nem dá por ele. Mas ele está lá, corroendo todas as coisas boas. O verme da inveja acomoda-se nos olhos, e os olhos onde se aninha o verme da inveja, só gostam de ver coisas bonitas.
Então, é assim que acontece. Eu tenho um belo tomate a crescer no meu quintal, que não tem lagartas no seu interior e vai dar uma deliciosa salada. Mas, antes de comer a minha salada, vou mostrar o meu tomate ao meu vizinho… Um pouco de exibicionismo? Talvez, mas que, também, faz bem ao nosso ego. Nesse momento, olho melhor para o quintal do meu vizinho e reparo. Afinal, também ele cultiva tomate!! E que vejo? O tomate que cresce no tomateiro dele é lindo! É lindíssimo, vermelhíssimo, muito mais bonito que o meu. E é nesta hora que o “verme” entra nos meus olhos. Os meus olhos movimentam-se. Voltam-se para o meu tomate que era a minha alegria e orgulho. Mas, já não é mais. Vejo-o agora mirrado, pequeno murcho. E ele corresponde: apodrece repentinamente e cai…
Aquele movimento dos olhos é a maldição da comparação. Quando eu comparo ‘o-meu-tomate-bom-mais-que-suficiente-para-me-fazer-feliz-ao-comer-a-minha.salada” com o “bom” maior do outro, fico infeliz. E o que antes me dava felicidade passa a fazer-me infeliz.
Com a comparação tem início a infelicidade humana. Isso acontece com tudo. Comparo a minha capacidade financeira, a minha casa, o meu carro, as minhas roupas, o meu corpo, a minha inteligência e até mesmo o meu filho…
Frequentemente, os filhos são vítimas no jogo de inveja dos seus pais. Aquele meu filho, que é a minha alegria, delícia de criança, com aquela maneira de ser muito dele e que me encanta… Mas o filho do vizinho tira notas mais altas que o meu, é campeão de judo, é mais forte, mais alto e não é gordinho… Então, os meus olhos movimentam-se e o verme aninha-se. Dá-se o mesmo com meu tomate: apodrece.
PERDI O PRAZER NA MINHA SALADA ….
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia.
Mas os ruídos da noite trazem a sua esponja silenciosa e sem luz e sem tinta o meu sonho resigna Longe os homens afundam-se com o caju que fermenta e a onda da madrugada demora-se de encontro às rochas do tempo MIA COUTO
Faz tempo, li um texto, muito interessante, sobre a amizade entre as mulheres e gostava de aprofundar mais este assunto.
Na realidade, a amizade entre mulheres tem um impacto muito mais intenso e positivo que entre os homens, tanto que a sensação de ligação e cumplicidade estabelecida é um fantástico mecanismo, que ajuda a reduzir o stresse e a ansiedade.
Por outro lado, convém deixar claro um aspecto essencial: não se trata de ter muitas “amigas”. Para a nossa saúde e o nosso bem-estar devemos contar só com amizades autênticas e significativas, aquelas que apenas se contam pelos dedos das mãos.
A amizade entre mulheres ajuda-nos a conseguir aquela almejada cumplicidade e a reduzir medos, assim como a relativizar os nossos problemas e esquecer as nossas angústias.
Poderia dar mil argumentos de por que é que a amizade é benéfica, saudável e necessária para o ser humano, e, ainda assim, ficaria sem espaço.
No entanto, são muitos os estudos e trabalhos realizados no campo da psicologia social e da saúde que nos demonstram algo muito mais particular e interessante.
Mas será que existe alguma coisa de diferente na amizade entre mulheres, que a torna tão especial?
As mulheres costumam fazer muitas coisas juntas. Não é raro vê-las aos pares ou em grupo no cinema, fazendo compras, viajando, vendo montras, fazendo jogging, passeando, assistindo a concertos, visitando exposições, almoçando, tomando chá, e tudo isto sem deixarem de conversar (nós, mulheres, falamos … !!!). Romances, relacionamentos, rompimentos, perdas, filhos, profissão, roupas, menstruação, TPM (Tensão Pré-Menstrual), menopausa, exercícios, sexo, etc., assuntos é o que não nos falta! Uma amiga minha diz, com muita graça, que: “sai para mulherar". E conseguimos juntas fazer todas estas actividades, enquanto que, ao mesmo tempo, vamos falando da vida. As mulheres trocam confidências, expõem aquilo que vivem, os seus conflitos, bordam e tricotam (literal e metaforicamente), brigam, acompanham e cuidam umas das outras, numa troca recíproca e colectiva.
Nas muitas actividades em companhia das amigas, aparentemente tão triviais, fios da subjectividade de cada uma de nós entretecem-se e ajudam-nos a ser mulher, a ser mãe, a ser amiga, a casar, a ter filhos, a descasar, a trabalhar, a enfrentar a saída dos filhos de casa, a voltar a namorar, a passar pela menopausa, a envelhecer, a fazer os lutos e tantas outras coisas.
A vida seria muito mais dura se não fossem as irmãs-amigas, amigas- irmãs, com as quais podemos falar e compartilhar tanto as dores como as delícias que vamos experimentando ao longo da estrada. “Mulherar” ajuda a fabricar tecido psíquico, um tecido que vai sendo bordado colectivamente, criando novos desenhos e novas formas de pensar e dar sentido às nossas vivências e à nossa história.
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a antiga ortigrafia.
o silêncio abre os seus panos escuros e as coisas escorrem por óleo frio e espesso
Esta deveria ser a hora em que me recolheria como um poente no bater do teu peito mas a solidão entra pelos meus vidros e nas suas enlutadas mãos solto o meu delírio
É então que surges com teus passos de menina os teus sonhos arrumados como duas tranças nas tuas costas guiando-me por corredores infinitos e regressando aos espelhos onde a vida te encarou
Mas os ruídos da noite trazem a sua esponja silenciosa e sem luz e sem tinta o meu sonho resigna
Longe os homens afundam-se com o caju que fermenta e a onda da madrugada demora-se de encontro às rochas do tempo.
Sentimos a felicidade, mas não somos capazes de explicá-la ou apalpá-la. A felicidade é feita de momentos perdidos, mas não esquecidos. De caminhos seguidos. De atalhos. A Felicidade não se vê, não se ouve, mas saboreia-se.
Aristóteles, após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana, verificou que em todos os seus actos o homem orienta-se, necessariamente, pela ideia do bem e da felicidade e que nenhum dos bens comummente procurados (a honra, a riqueza, o prazer) preenche esse ideal de felicidade. A felicidade não está ligada aos prazeres ou às riquezas, mas à actividade prática da razão. Na sua opinião, a capacidade de pensar é o que há de melhor no ser humano, uma vez que a razão é nosso melhor guia e dirigente natural. Se o que caracteriza o homem é o pensar, então esta e sua maior virtude e, portanto, reside nela a felicidade humana.
Na realidade, existem pessoas maravilhosas que se movimentam com passos firmes sobre a face da Terra. Grandes homens, grandes mulheres, pessoas fantásticas que conseguem superar toda e qualquer desesperança. Tenho a sorte de conhecer algumas e de poder contá-las como amigas e tento compreender como conseguem levar a vida de uma forma tão superior à maioria. Observo as suas acções com atenção, tento ler os seus gestos para aprender com elas procurando onde reside o mistério.
De tanto as observar, consegui descobrir alguns pontos em comum entre todas elas e o que mais me deslumbra é que todas são felizes. A felicidade, essa meta por vezes impossível, é parte delas, está na sua génese, no seu ADN. Vivem o seu dia-a-dia e desfrutam de uma alegria de viver genuína, leve, discreta, qual árvore plantada nas suas almas, cuja raiz nenhuma força consegue arrancar.
Nenhum dos felizes que conheço tem uma vida perfeita. Não são famosos; nenhum é rico, alguns vivem mesmo com muito pouco. Nenhum tem uma saúde impecável, ou uma família sem problemas. Todos enfrentam ou enfrentaram dissabores de vária ordem. Mas continuam discretamente felizes.
Há, todavia, uma qualidade que todos têm em comum: a generosidade. Mais do que isso: todos têm prazer em ajudar, dividir, dar. Ajudam com um enorme sorriso no rosto, com verdadeira vontade e sentem-se suficientemente bem para nunca cobrar ou lembrar o que fizeram, jamais pedindo algo em troca.
Os felizes costumam oferecer ajuda antes que se peça. Ficam inquietos com as dores dos outros, querem colaborar de alguma forma. São sensíveis e identificam as necessidades alheias mesmo antes de receber qualquer pedido. Os felizes, sobretudo, oferecem o seu tempo, horas da sua vida, às vezes, dividem o que têm, mesmo quando é muito pouco.
Também costumo observar os infelizes: normalmente são egoístas. A maior parte das vezes negam qualquer favor, mesmo que insignificante; reagem com irritação ao mínimo pedido e, quando o fazem, não perdem a oportunidade de relembrá-lo, quase cobrando medalhas e exigindo o recibo. Não gostam de ter a sua rotina perturbada por solicitações dos outros. Se fazem um favor qualquer, calculam sempre o seu próprio benefício e continuam assim, cada vez mais infelizes.
Uma outra qualidade notável das pessoas felizes é a sua capacidade de sentirem alegria com o êxito dos outros. Os felizes vibram tanto com o sorriso alheio que parece um contágio. Eles costumam dizer: estou tão contente como se fosse comigo. Talvez seja um segredo da felicidade, até porque os infelizes fazem o contrário. Tratam rapidamente de encontrar um defeito no júbilo do outro, ou de ignorar a boa nova que acabaram de ouvir, continuando infelizes.
Na minha opinião, o último, mas não menos importante, hábito dos felizes é saberem aceitar. Acima de tudo, saberem aceitar os outros, com todos os seus defeitos, com as suas imperfeições; serem capazes ouvir sem julgar, conseguirem opinar sem diminuir e saberem qual a hora de calar. Saberem, sobretudo, rir da maneira de ser de seus amigos. Sorrir é uma forma sublime de dizer: gosto de ti e todas as tuas pequenas loucuras.
Quantas vezes relembro o rosto de mulheres e homens fantásticos, que passaram ou que estão na minha vida. Ainda não sou uma daquelas. Ainda não me considero feliz, mas continuo a tentar. Continuo a procurar aprender com eles a acender a luz genuína e perene da alegria na Alma. Sigamos os felizes, pois só eles conhecem o caminho...
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia.
Bibliografia:
Aristóteles. Ética a Nicómaco.
Costa, José S. Tomás de Aquino: a razão a serviço da fé
A amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Amigos são testemunhas do passado , são o nosso espelho, através deles podemos olhar-nos. Toda a amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra os seus inimigos.
Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está a ser construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de Verão, porque se a todos nós fosse concedido o poder, como num passe de mágica, de ler a mente uns dos outros, suponho que o primeiro efeito seria que quase todas as amizades se desfariam.
O segundo efeito, entretanto, poderia ser excelente, pois um mundo sem amigos seria sentido como intolerável, e nós teríamos de aprender a gostar uns dos outros sem a necessidade de um véu de ilusão para esconder de nós mesmos que não nos consideramos uns aos outros pessoas absolutamente perfeitas.
Vejamos:
Um amigo não divide apenas o preço da refeição: divide lembranças, crises de choro, experiências; Divide a culpa, divide segredos;
Um amigo não empresta apenas qualquer coisa. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e o agasalho;
Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda outro amigo;
Um amigo não dá boleia apenas para ir à festa. Leva-nos para o seu mundo, e quer conhecer o nosso;
Um amigo não é só para ir beber um copo. Passa connosco um aperto;
Um amigo não vai só connosco visitar aquela exposição. Anda em silêncio na dor, entra nas nossas angústias, sai do fracasso ao nosso lado;
Um amigo não ajuda, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o abanão, segura o choque.
Infelizmente, somos compelidos a reconhecer, que há poucas amizades assim, ou muito poucos têm o privilégio de ter amizades assim.
Tomemos esse facto como óbvio. Aprendamos, então, a apreciar as poucas mas boas amizades, porque sempre as temos/teremos.
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia.
Texto com adaptações de textos de Milan Kundera e Bertrand Russell