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A Senhora Dança? A Mandy pelas danças da vida.

Um blog para todas as mulheres depois dos “entas” . Mulheres que, na plenitude das suas vidas, desejam celebrar a liberdade de assumirem a sua idade, as suas rugas, os seus cabelos brancos e que querem ser felizes

A Senhora Dança? A Mandy pelas danças da vida.

SOBRAS

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Eu já fui tanta coisa. Fui artista sem plateia. Palhaça sem fazer ninguém sorrir. Professora sem aluno. Errante sem caminho. Perdida sem direcção. Malabarista na estrada.

Costureira de sentimentos rasgados. Menina sem inocência. Menina a imitar gente grande. Doutora sem diploma. Artesã sem criatividade. Pintora de ilusões. Contadora de histórias sem pés nem cabeça. Passarinho sem asas para voar. Borboleta no casulo.

Já fui grande no coração. Pequena na fragilidade. Cantora sem nenhuma partitura.

Fui amante e amada e fiz loucuras por amor. E nas muitas coisas que fui, também mudei algumas que não gostei. Mudei de profissão, mudei a cor do cabelo, mudei de casa, de cidade; de estado civil inclusive, mudei a rota, mudei o tom, mudei os critérios, mudei a frase, troquei a pilha, rompi os vínculos e tive que refazê-los depois. Concordei, discordei. Disse não, disse sim tantas vezes.

Já fui quase tudo sem ser nada. Fui de invernadas friorentas, teimando em sentir calor. Procurei flores murchas. Já fui escuro. Claridade. Opaca por decisão. Fui da Terra com os pés na Lua.

Psicóloga sem habilidade. Bailarina sem saber dançar. Fui menina atrapalhada. Rainha sem reinado.  sem palavras. Silêncio cheio de ruídos. Beata sem rosário e até santa sem santidade. Fui pecadora inocente. Culpada sem merecer.

Fui mulher da vida, só na rua. Menina de família, órfã. Amante sem um amor. Bandida do coração. Estrangeira sem tradução.

Ilusão de óptica

Fui sem causa. Sem lei. Sem jeito. Sem tecto. Sem Sol. Sem doçura e sem pieguice.

Escrevi poemas. Reatei amores. Apaguei paixões. Comprei vestidos. Ajudei e esqueci o que fiz. Presenteei. Perdoei. Briguei. Abaixei a cabeça. Levantei a crista achando que eu era boa. Estudei o que eu achei que devia e cheguei à conclusão que deveria ter estudado mais. Exagerei na dose. Perdi a paciência. Voltei atrás. Rompi e refiz laços tantas vezes. Comprei guerras muito caras. Esqueci. Perdoei. Magoei e fui magoada. Disse sim, não, talvez, espere um pouco, deixe da mão.

Aprendi coisas novas e esqueci coisas velhas. Comecei projectos errados. Conclui trabalhos acertados. Embebedei-me. Engoli sapos. Apanhei sustos. Tive equívocos. Errei os erros previstos e não cometi todos os acertos programados. Molhei as plantas. Colhi flores. Alimentei os pássaros. Escrevi e rasguei. Reescrevi e guardei. Molhei travesseiros e disse que era a última vez. Tornei a molhar várias outras últimas vezes. Amei rápido demais. Esqueci devagar. Perdi o encanto e sem querer o encontrei.

Fui tola demais. Muito esperta. Ganhei o jogo. Perdi o amor e o mundo quase acabou na minha cabeça. No outro dia, no mesmo lugar, estava o mundo igualzinho ao que eu deixei. Cantei. Chorei. Dancei. Fiquei emburrada. Sai sem rumo.

Não fiz nada sobrenatural. Não salvei o mundo e não consegui salvar-me. Vivi os erros. Comemorei os acertos. Escrevi no caderno. Marquei na linha da vida. Fui luz apagada. Borbulhas sem gás. E na imaginação fui até rima, poeta sem inspiração, mas isso meu caro foi tudo sonho numa noite sem Verão.

Agora, quero apertar o “play” para o novo que está a minha porta e fazer o que ainda falta. Com sonhos novos. Doses de coragem sem saber de muita coisa, aliás, eu só sei que numa horinha dessas, eu chego a algum lugar. Roma, Paris, ou talvez apenas no meu quarto.

Feliz, sorte, coragem, fé ou sei lá o quê, para tudo que começa outra vez.

 

Mandy Martins Pereira escreve de acordo com a antiga ortogafia

 

Texto adaptado de um original de : Ita Portugal

 

Imagens : Web